Escreve-me uma carta

Mostraram-me uma carta de amor escrita por um miúdo de 8 anos. Um galã prematuro que, se continua assim, promete partir muitos corações pela vida fora.
A carta, de uma inocência amorosa, era uma declaração ao estilo lenço dos namorados (com erros e tudo), divinal por ser escrita por uma criança nascida na época dos telemóveis, dos computadores, da internet e da comunicação rápida e breve.
O miúdo, que não me conhece de lado nenhum nem sonha que sou uma leitora cúmplice de correio alheio, conseguiu envergonhar-me porque eu, da geração das cartas e dos postais e das estações do correio e dos envelopes e dos selos, há anos que não escrevo uma.
E fiquei cá com umas saudades.
Saudade de escrever uma longa carta, com princípio meio e fim para enviar em envelope fechado com remetente e destinatário.
Saudade de entrar numa estação de correios, comprar um selo e lambe-lo (para o colar, claro, que a emoção por si só não justificava o ato).
Saudade da excitação de escrever a contar novidades e histórias ou festas e passeios ou para falar das férias e fazer planos.
Saudade de escrever uma carta de amor, mesmo que seja só para por no papel o que digo todos os dias ao ouvido.
Mas questiono-me se ainda consigo expressar-me desta forma: mais longa, mais cuidada e mais reveladora no formato da letra e na cor da tinta da caneta.
O séc. XXI entranhou-se na minha comunicação com as sms, os emails e outras siglas futuristas. Abafou a vintage que havia em mim e acabou com o papel de carta escolhido a dedo, com a caneta BIC de escrita fina e com o envelope a combinar e o selo de edição especial. Atirou para o esquecimento os dias a espreitar a caixa do correio e a ansiedade de receber noticias que não sejam contas para pagar.
Por isso a carta de amor deste miúdo do séc. XXI mas com alma antiga, além de ser uma inspiração matinal (numa manhã muito acinzentada), é um desafio aceite.
Porque senti na cara a sabedoria dos 8 anos como uma espécie de sapatada de luva branca e decidi escrever uma carta quando chegar a casa. Assim, sem mais.
E depois outras se seguirão. De amor, porque não?



Comentários

  1. Oh, que lindo!
    Curioso...eu também escrevia com "Bic Laranja: da escrita fina" e não com a "Bic Normal: da escrita normal!" LOL!

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