Conta-me tudo (não me escondas nada)

O Caminho é um mistério.
Move gente de todos os cantos do mundo numa única direção: Santiago de Compostela.
Podemos até dizer que existem muitos Caminhos.
Mas quem os faz, independentemente de onde parte e por onde vai, diz que faz O Caminho.
A tradição é milenar mas, atualmente, os motivos são mais variados.
Há caminheiros por devoção, por desporto, por turismo, por cultura ou, simplesmente, porque querem.
Este quase fenómeno, acompanhado com curiosidade por quem nunca foi, alimenta o entusiasmo de quem já experimentou.
E o sentimento genereralizado é o de querer repetir.
Quando perguntamos "porquê" a resposta é, quase sempre, a mesma: tens de fazer para perceber.
A Maria Fraldiqueira convenceu uma dessas pessoas que já se aventurou no Caminho a falar, na tentativa de levantar o véu mas também como mais uma lição para o final de maio.
Altura em que irá descobrir por si mesma o que é fazer O Caminho.


1 - Pela aventura, pelo passeio ou por razões espirituais?

Caminheiro(a): Se a pergunta me tivesse sido feita antes da experiência, eu diria que pela espiritualidade. Assim, após, digo que pela aventura e pelo passeio.
Se eu pudesse ia à Lua ou inscrevia-me para ir a Marte (foi algo que já me passou pela cabeça) mas não estou em idade de concorrer e então faço a minha caminhada, não para a Lua ou Marte, mas para Compostela.
Também quis saber se a experiência correspondia aos clichés sobre o Caminho.

 2 - "Quem passa por Alcobaça não passa sem lá voltar" ou "A Cascais para nunca mais" ?

Caminheiro(a): Eu diria que, no meu caso concreto, sou mais à “Alcobaça”.
Será, sim, para voltar mais uma vez mas “por outro caminho”. A aventura é, para mim, conhecer o desconhecido. Conhecer tem de ser sempre novo; o que já passei já conheço e isso dá-me a sensação de dever cumprido.
Quero fazer outro trajeto, com mais dias e menos pressão. Posso até ir sem mais ninguém, mas quero conhecer a fundo e explorar o que o Caminho colocar no meu, sem a pressão de ter de cumprir um calendário de chegada.

3 - Momento: o Caminho é uma revelação

Caminheiro(a): Lamento dizer mas não tive nenhuma revelação. Apenas a certeza que posso ir mais além. Quando tenho o gosto de querer fazer uma coisa é como se metade já estivesse feita, com a certeza de que consigo. Coloco os meus limites à prova e a determinação é o que me comanda.
Mas o ponto alto foi ter cruzado o meu caminho com tantas pessoas, principalmente estrangeiros.

4 - Momento: o Caminho é um tormento 

Caminheiro(a): Há um momento que me marcou como ponto mais baixo.
Um português natural de Braga, vindo de Paris, seguia com destino a sua casa. Estava há meses no caminho e isso reflectia-se no seu olhar vidrado (talvez do cansaço ou fome). Era desempregado há muitos anos e começou a fazer várias perguntas rápidas. Quando achei que já era demasiada pergunta e comecei eu a falar, não gostou e fez questão de o dizer. Quando ele troçou de uma rapariga que me acompanhava e eu sai em defesa dela, foi o suficiente para aguçar ou espicaçar o apetite de violência do homem, cujo olhar quase me penetrava como uma espada bem afiada. Ele vinha com uma navalha na mão, penso que a cortar pão, temi pela vida. Como tinha o bastão pensei que se morria ele ainda apanhava antes de eu me finar, mas o homem foi-se embora tão depressa como apareceu.

5 - Medalha de recomendação ou alfinete vodoo ?

Caminheiro(a): Façam o Caminho. Façam se for a vossa vontade. Mas mantenham as mentes abertas para viver esta experiência. 

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