Mãe querida, mãe querida

Ora a mensagem de hoje é especial e única. Pelo menos é essa a minha intenção. Não quero textos pré feitos ou poemas conhecidos, nem frases amorosas tiradas da "net". Quero uma descrição única, verdadeira, realista. 
Ora então. A minha mãe é um ser humano e como tal tem virtudes e defeitos. Não é perfeita e acho que nunca tencionou ser. Durante a sua "profissão" de mãe acertou algumas vezes e serviu-se da técnica tentativa/erro para aprender. É que ninguém nasce ensinado.  
A minha mãe desejou-me muito antes de pensar que me teria. Achou, desde cedo, que tinha vocação para a maternidade. Adorou estar grávida mesmo com uma "barriga de gémeos", mas o gosto pela moda pré-natal teve algum peso. Nessa altura aproveitou para comer tudo o que lhe apeteceu e influenciar os meus apetites gastronómicos. A última refeição que fez antes de dar entrada na maternidade ainda é a minha comida favorita. 
Quando me viu pela primeira vez achou que eu era um bebé muito feio. Ela queria um nenuco carequinha e saiu-lhe uma montanha de caracóis. Hoje é a maior fã da minha cabeleira. 
Ainda apregoa que eu não dormia, não comia, berrava imenso e que era muito difícil de aturar. Mas ri-se de todas as minhas travessuras e conta todas as minhas conquistas precoces como se tivessem acabado de acontecer. 
Nunca percebeu o meu medo do escuro e a minha fase de pesadelos noturnos mas deixava-me dormir com o candeeiro aceso e o rádio ligado, apesar de isso não a deixar dormir a ela. 
Fez questão de manter os sapatos de salto alto fora do meu alcance até eu ter idade para seguir todas as suas instruções: "endireita as costas", "olha em frente", "estica os joelhos", "primeiro pousa a ponta do pé e depois o calcanhar", "dá passos pequenos e pousa o pé devagar". 
Em cima desses saltos (pelos quais eu ansiava) fazia verdadeiras mini maratonas diárias para me dar o almoço. Saía do emprego a correr, apanhava o autocarro, corria para casa, alimentava-me, levava-me à escola e corria de volta para o emprego. Claro que quando comia era também a correr. Mas nunca quis ensinar-me a cozinhar porque achava que havia tempo para isso, quando eu fosse mais crescida (nota: isso ainda não aconteceu e, provavelmente, nunca vai acontecer). 
Ao longo da minha adolescência disse-me sempre que eu não era bonita. Que só o seria se me soubesse arranjar. E quando chegou a altura certa ensinou-me todos os truques. Agora repete constantemente "és a mais linda do mundo". 
Ser gordita também nunca foi admissível e frases como "olha essa barriga", "quanto é que estás a pesar?", "depois queixa-te quando ficares enorme" ainda são usuais. Mas depois olha para mim e diz "então não estás tão bem assim, elegante?". 
A minha mãe já não tem paciência para ler mas foi ela que me incentivou, desde pequenina. Até comprou os livros certos quando as perguntas começaram a ser mais curiosas. Hoje ainda é frequente perguntar se tenho lido e dizer-me para nunca deixar de o fazer.
Também incentivou o desporto e a dança. Em parte porque se revia em mim, já que no seu tempo as meninas não podiam fazer certas atividades e ela queria ser ginasta. 
Acompanhou de perto todas as fases da minha vida e os desenvolvimentos que implicaram. Esteve presente em todas as consultas das especialidades médicas que terminam em "ista". Deu conselhos e fez avisos de mãe. 
Foi ela que sempre me "aparou o jogo". Aguentou manias, teimosias, modas, birras, maluqueiras. Disse-me "não" quando devia ter dito que "sim" e "sim" quando o "não" era o mais correto. Mas também acertou algumas vezes. 
Meteu-me numa faculdade privada mas obrigou-me a trabalhar no verão quando me tornei demasiado "betinha" e "pedinchona". Assim ensinou-me que a vida custa a ganhar. Teve paciência quando decidi mudar de área de estudo e até ficou contente com a escolha. Quando acabei o curso mas o emprego não apareceu, ela não se desesperou. Pelo contrário, admirou os meus esforços e acreditou que um dia a situação ia melhorar.  
Não teve um colapso quando lhe disse que tinha dois meses para preparar o meu casamento. Nem quando teimei em não querer um vestido de noiva tradicional ou quando quis fazer as lembranças para os convidados em casa. Ensinou-me tudo o que sabia sobre a aventura da vida a dois sem se esquecer de mencionar que são mais espinhos que rosas. 
Desejava um neto mas, quando ele não chegou, aceitou o cão como alternativa. E até é uma "avó" babada.

Ainda alinha nas minhas ideias, por muito disparatadas que possam parecer.  Diz que eu sou a sua razão de viver, quando na verdade é ela a minha. 
Dela herdei os pés pequenos, os olhos amendoados, o tom de pele moreno, o sinal perto do lábio e a "flor" vermelha no pescoço. A teimosia e o mau feitio ocasional, o humor, o espírito critico. A mania de beber chá e ouvir música. O gosto pela moda, carteiras grandes e perfumes. Comer pasteis de nata com colher e só querer bolos pequenos.  
Mas outras características são só dela. É independente, não tem medo da solidão. O mar relaxa-a, é viciada em agua gaseificada. Adora andar de avião e partir (detesta o regresso) mas odeia despedidas. 
A minha mãe mostrou-me (mais recentemente do que eu gostaria) o que é ser lutadora e resistente, quando a vida é como areia a fugir por entre os dedos. 
Claro que somos tão confidentes como velhas amigas e nesta foto ainda não nos conhecíamos mas já pertencíamos uma à outra.

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