Familia

(Nota: devia ter escrito isto ontem mas estive com a familia.)
Feliz dia internacional da familia! E para comemorar vou falar da casa.  Porque, para mim, a casa é o lar. E o lar é a familia. Portanto está tudo relacionado. Ora a primeira casa de que me lembro albergou a família completa. Por isso faz todo o sentido que fale dela.  A casa ainda está no mesmo sitio mas com outra cara. Quando se fechou para sempre estive muito tempo sem voltar lá. Pensei que não valia a pena vê-la a desaparecer, abandonada. 
Anos depois de ter sido encerrada a casa ficou totalmente abandonada e foi vandalizada
Mas quando vi as fotografias que mostravam a casa a ser desmembrada para recuperação, foi como se estivessem a arrasar com cada uma das minhas recordações. Claro que, depois de chorar muito, recuperei o bom senso e entendi que não era por causa de umas paredes deitadas abaixo que as ia perder. Apesar de ter uma ligação muito forte com a minha família, não passava de uma casa.
Lembrava-me dela pesadona e de um amarelo desbotado mas com o "glamour" da escadaria principal. O portão de ferro imponente, mas com o prazo expirado. A fachada principal com uma espécie de apêndice a fazer lembrar uma torre. Os jardins coloniais, com palmeiras gordas, e o quintal dividido por sebes e caminhos. Um deles a levar ao tanque, com roda e telhado, todo em ferro forjado. Para mim era um palácio enorme e cheio de recantos, fora e dentro de portas, que me assustava um pouco mas que, ao mesmo tempo, me confortava. A casa tinha muitas divisões. Imensos quartos. Uma sala da lareira. Um salão de jantar. Uma copa. Uma cozinha principal. Escadas para cima e para baixo. Cave. Aguas furtadas. Casa das máquinas.
Dos 3 aos 12 anos lá vivi na companhia de pais, avós, tios e primos. Uma espécie de "Dallas" ou "Dinasty" ou "Falcon Crest" à portuguesa. Sem os poços de petróleo ou as vinhas mas com os dramas de uma telenovela (mexicana), o que é normal quando somos muitos a partilhar o mesmo espaço por muito grande que seja. Portanto, a minha primeira infância foi cheia de gente que estava constantemente reunida por algum motivo (ou sem motivo nenhum). As refeições eram em mesas enormes. As festas de aniversário tinham mesas enormes. No Natal e Páscoa a mesa era enorme. E é por isso que a minha mesa atual tem 12 lugares sentados em permanência. Nesta casa convivia-se de perto e partilhava-se tudo, o bom e o mau (porque as famílias têm sempre esta dualidade tão própria e, muitas vezes, tão estranha). Cada divisão traz-me à memória histórias e em todas elas estão lá todos, de uma maneira ou de outra.
Nas escadaria de pedra brinquei com os meus primos ao "Espaço 1999" e saltei, muitas vezes, da varanda para o jardim  sem partir a perna ou a cabeça. Na sala da lareira entreguei o ramo à minha tia. Eu era a menina das alianças e ela ia casar com um vestido cheio de rosas pequeninas. O Senhor Padre também ficava nesta sala quando aparecia para nos visitar. No salão fazíamos as festas de aniversário, sempre com muita gente e com os meus primos a apagar as velas antes de mim (ou antes de qualquer um que fosse o aniversariante). Era também no salão que montávamos a Árvore de Natal e onde o meu tio aparecia vestido de Pai Natal para distribuir presentes. Na cozinha o meu avô descascava-nos as uvas, uma de cada vez, cheio de paciência e boicotava a sopa da minha avó metendo "hortos" na panela, à socapa. Na sala das máquinas a minha avó fechava as bicicletas quando nos punha de castigo e era para a cave que íamos todos quando a luz faltava.  Íamos atrás de quem fosse mudar o fusível porque uma casa daquelas totalmente às escuras era uma verdadeira assombração e ninguém queria ficar sozinho. Nas águas furtadas o meu tio punha os filmes do Rambo, que nós tanto gostávamos, e havia um quarto fechado onde nunca nos foi permitido entrar.
No tanque o meu primo pregou um grande susto ao meu avô, que se viu obrigado a tapar a entrada do deposito com um pedragulho, e o telhado de ferro foi, mais tarde, abalroado por uma árvore que caiu durante um temporal. Era um dos nossos locais de eleição para brincar. Um dos jardins tinha uma árvore torta onde o meu pai montou um baloiço que nos punha a andar de lado. Tínhamos um castanheiro enorme e na época da castanha estávamos todos debaixo dele. Um dia levei com um ouriço que se espetou na minha cabeça e me fez engolir a chiclete. Na frente da casa, perto do portão, havia duas ameixoeiras que, quando ficaram com bicho, foram cortadas pelo meu avô. Eram as nossas favoritas. No entanto havia um grande pinheiro australiano, mais alto do que a própria casa, e que se aguentou durante muito tempo. No pátio interior o meu pai ensinou-nos a andar de patins com almofadas amarradas ao "fofo". Era lá que brincávamos quando estava a chover.
Nesta casa  a família movimentava-se em uníssono e outras vezes repartida. Mas era um cruzar constante de pessoas e foram nove anos que marcaram para sempre a minha vida. E é por isso que ainda gosto de grandes reuniões familiares e das conversas, do ruído, das risadas, da confusão.Adoro casas grandes, velhotas. Daquelas que ainda não desistiram de ser imponentes. É o meu desejo de voltar atrás no tempo em forma de paredes e telhado.
A família quase completa ainda se junta. Não com tanta frequência e já com a falta de alguns elementos mas com a adição de outros. Quando isso acontece volta a sensação de conforto, de proteção. Como uma galinha que gosta de ter os pintos debaixo das asas, eu adoro ver-nos a todos debaixo do mesmo teto. 
A Familia é aquela instituição de conflitos e de amores, de proteção e confusão, que não se escolhe mas que é nossa para sempre. 

 A casa totalmente recuperada e a funcionar como Casa de Acolhimento Santa Marta   



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